A arqueologia explica um texto difícil
A narrativa bíblica das dez pragas é uma das mais memoráveis
e fundamentais partes da história do êxodo. Quem não se lembra do rio que virou
sangue, as hordas de gafanhotos, e o meu favorito pessoal quando criança – as
pilhas de rãs! Será que esta é somente uma história supersticiosa ou houve um
ambiente histórico para estas pragas incomuns? Olhando através de lentes
arqueológicas para a religião do Egito, podemos entender as pragas como uma
polêmica divina (ataque) contra os deuses fabricados dos egípcios (na tumba de
Séti foi fotografado pelo menos 74). Associações entre pragas individuais e
deuses específicos cujo controle dos elementos foram disputados ou destruídos
por pragas podem ser feitas com base em nossas informações sobre estas deidades
nos registros arqueológicos[1].
Todavia, há um incidente registrado na Bíblia que corre através de toda a
narrativa das pragas – o relato do endurecimento do coração de Faraó. A
despeito da discussão sobre quem primeiro endureceu o coração de Faraó, se Deus
ou ele próprio, a razão para o ato tem geralmente cativado os comentaristas
bíblicos. Porém, se compreender-mos que este também é um ato polêmico, como as
pragas que o acompanharam, então podemos procurar por pistas no registro
arqueológico egípcio assim como para seu possível significado.
Os antecedentes egípcios
A visão egípcia do poder de Faraó
O que a arqueologia descobriu é que Faraó era considerado
como a encarnação do deus Rá e Horus-Osíris, os deuses mais importantes do
Egito[2].
Assim, ele era visto como o principal deus do mundo. O mundo de Faraó era visto
como “uma força criadora”, o mundo de um deus, que controlava a história assim
como os elementos naturais e não podia ser revertido ou dominado por qualquer
outra vontade. Portanto, ao fazer a vontade de Faraó dobrar-se diante da
vontade divina, Deus demonstrou seu poder soberano sobre o que incorporava o
poder do panteão egípcio na teologia do Egito.
O endurecimento do coração de Faraó
Descobertas egípcias nos proporcionaram uma fascinante
explicação sobre como Deus pode ter decidido “endurecer” o coração de Faraó. Na
teologia do antigo culto egípcio à morte, conforme descrito no egípcio “Livro
dos Mortos”, depois da morte, o falecido embalsamado e colocado na tumba tinha
que enfrentar um julgamento na Sala do Julgamento para determinar sua culpa ou
inocência. Se julgado culpado seu destino era a destruição; se inocente, então
a vida eterna com suas recompensas.
Para passar por este julgamento, o morto
tinha que negar uma longa lista de pecados que era lida contra ele com êxito
declarar que era puro. Este ato chamado “Confissão Negativa”, e enquanto estava
sendo conduzido, o coração do falecido (descrito num canopo) estava pesado em
escalas de julgamento contra o padrão da verdade (representado pelo símbolo dos
hieróglifos para pena).
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A pesagem do coração |
Este julgamento é vividamente representado num mural
pintado conhecido como “a pesagem do coração”. Contra o testemunho do falecido,
seu coração confessaria a verdade, mostrando que sua Confissão Negativa era uma
mentira. O coração, portanto, subiria as escalas em favor do julgamento que
resultaria em destruição. Uma vez que todos os homens pecam e que a inclinação
do coração é confessar este pecado, os engenhosos egípcios desenvolveram um meio
de evitar que o coração contradissesse a Confissão Negativa. Eles fizeram isso
escrevendo encantamentos sobre uma imagem de pedra de seus escaravelhos
sagrados que eram entalhados na forma de um coração[3].
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A pesagem do coração |
Este coração em forma de escaravelho de pedra era então colocado dentro ou em
cima da cavidade do peito durante a mumificação (um fato revelado por raios –X
de múmias egípcias). Vários
encantamentos que ordenavam ao coração: “não se rebele contra mim” ou “não
testemunhe contra mim” transferiam o caráter do coração de pedra para o coração
de carne no pós-túmulo, tornando-o “duro” e incapaz de falar. Este ritual de
“endurecimento do coração” revertia a função natural do coração flexível e
resultava na salvação, desde que o falecido fosse agora declarado sem pecado
através do silêncio.
Todavia, quando Deus “endureceu” o coração de Faraó, que
como um deus em si mesmo representava a salvação do Egito, Ele reverteu a
esperança teológica de todos os egípcios. Este endurecimento resultou na
incapacidade de Faraó responder naturalmente às assustadoras pragas, e assim
pará-las, rendendo-se à solicitação de Moisés. Portanto, ao invés de o
“endurecimento do coração” trazer salvação, ele trouxe destruição. Assim, a
arqueologia proveu nova perspectiva de um conceito teológico difícil dando-nos
o cenário apropriado e o esquema das crenças egípcias que, através de Moisés,
Deus queria confrontar. Além disso, ao revelar a precisão dos detalhes no
relato bíblico, ela indica sua historicidade.
Pesquisar Imagem: Mural do egípcio Livro dos Mortos em
papiro, intitulado “A Pesagem do Coração”.
Bibliografia
Arqueologia Bíblica - Price, Randall. Reedição do livro
Pedras que Clamam. Cap 7, O Êxodo, Pg 112.
[1]
Tentativas em combinar os deuses do panteão egípcio com as pragas do Egito
resultaram em algumas das seguintes associações: 1) Deuses do Nilo: Hapi
(Ápis), Knum, Ísis; 2) rãs: Heqet; 3) piolhos: Set, deus do deserto; 4) moscas:
Re, Uartchit; 5) peste nos animais: Hator, Ápis; 6) úlceras: Sekmer, Sunu,
Ísis; 7) saraiva: Noz, Osísiris, Set; 8) gafanhotos: Noz, Osíris; 9) trevas:
Re, Hórus, Noz, Hator; 10) morte dos primogênitos: Mim, Heqet, Ísis. Vide mais em Pierre Montet, Egypt
and the Bible (Filadélfia: Fortress Press, 1968).
[2]
Esta relação estava especialmente ligada com os faraós Tutmés III e seu filho
Amenotepe II (os faraós primeiramente datados). A teologia egípcia e suas
realizações militares deram-lhes o status de “o(s) deu(s) soberano(s) do céu e
da terra”.
[3]
Para completa documentação deste ritual, vide A. Hermann, “Das Steinhartes
Herz”, Jahrbuch für Antike und Christentum, volume 4 (Munster>
Aschendorffsche Verlagsbuchandlung, 1961), pp. 102,103.
excelente! muito bom!
ResponderExcluirFoi difícil encontrar esta publicação, contudo, foi muito útil, e valeu o esforço: seu em passar conhecimento, e meu em "garimpá-lo" na web. Obrigada pela explicação.
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