segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Segue-Me e deixa que os mortos sepultem os seus próprios mortos.

A prioridade do discipulado


Mateus 8.18-22 (Versão King James)

Quando Jesus viu que uma multidão o rodeava, ordenou que atravessassem para o outro lado do mar. Então, aproximando-se Dele um escriba, disse-lhe:
- “Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores”.
Jesus lhe respondeu:
- “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”.
Outro de seus discípulos lhe disse:
- “Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai”.
Ao que Jesus lhe respondeu:
- “Segue-Me e deixa que os mortos sepultem os seus próprios mortos”.

  Ao ler as Escrituras Sagradas de forma superficial, corre-se o risco de se entender/compreender certas passagens da Bíblia de forma equivocada, pois a maioria dos textos de difícil interpretação ao leitor tem seu contexto em harmonia com uma cultura-social ou tradições religiosas concernentes há uma época muito diferente dos dias atuais. É necessário entender a época, a cultura, as tradições dos tempos de Jesus para que se compreenda corretamente o contexto das Escrituras, e assim, compreender o que realmente o Senhor estava dizendo e ensinando na ocasião. Caso contrário, pode-se interpretar de forma errada as palavras de Jesus. Ao ler os Evangelhos de Mateus (8.18-22) e Lucas (9.59-62), por exemplo, tem-se a impressão de que as palavras do Senhor Jesus soam demasiadamente “ásperas”. Conforme entendido por alguns leitores modernos, a aparente negativa de Jesus mostra-se tanto irracional quanto desnecessariamente severa!

  O texto aqui estudado (Mateus 8.18-22) tem, criado diversas divergências de opiniões entre os estudiosos, pois cada qual defende uma interpretação, que quase sempre, esta distante do real significado contextual bíblico, ou contraditória a outros textos em concordância.

 Alguns comentaristas tentam atenuar esta declaração do Senhor, interpretando-a como “deixe os ‘espiritualmente’ mortos enterrarem os ‘fisicamente’ mortos”, mas essa interpretação estaria contradizendo o quinto mandamento da lei mosaica, que diz: “Honra a teu pai e a tua mãe...” e também a responsabilidade judaica de providenciar um sepultamento apropriado conforme ordenado em Deuteronômio 21.22,23.


Exegese do texto

Primeiramente parte: Mateus 8.19,20.

  Quando Jesus viu que uma multidão o rodeava, ordenou que atravessassem para o outro lado do mar. Então, aproximando-se Dele um escriba, disse-lhe:
- “Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores”.
Jesus lhe respondeu:
- “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”.

  No Evangelho segundo Mateus (8.19) é esclarecido que a pessoa que se dirigiu primeiramente ao Senhor era um “escriba”. O motivo pelo qual Mateus identifica este escriba esta no principal objetivo do seu Evangelho, que é para o publico judeu.  Em seu Evangelho, Mateus relata seu testemunho pessoal sobre o fato de Jesus Cristo ser o Messias prometido no AT, cuja missão messiânica era trazer o Reino de Deus a humanidade, sendo primeiramente aos judeus. Por isso Mateus cita várias passagens e profecias do AT e, de fato, interpreta essas profecias como tendo absoluto e certeiro cumprimento em Jesus Cristo; sendo que, tudo foi escrito e ensinado de um modo que os judeus de sua época (século I) compreendessem, através de provas irrefutáveis!

  Ao citar um “escriba”, Mateus visa mostrar o ensinamento de Jesus a respeito da seriedade da escolha em segui-Lo.  Não é por acaso que Jesus respondeu a declaração deste escriba dizendo: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (versão King James). Em várias passagens do Evangelho segundo Mateus, é nos dado uma compreensão do porque Jesus deu esta resposta ao escriba. Os escribas eram conhecidos por seu apego religioso as tradições, invalidando assim a Palavra de Deus (Mateus 15.1-9). 

  Jesus também denunciou publicamente a religiosidade destes quanto a sua postura orgulhosa e contraditória diante do que ensinavam. Na época de Jesus estes eram dominados pela vaidade, pois tudo o que realizavam tinha como meta serem observados pelas pessoas. Buscavam o reconhecimento das pessoas, faziam questão de serem bajulados e reconhecidos como mestres (Mateus 15.5-7). Também foi denunciado o modo como se exploravam seus respectivos status diante do povo para aproveitar-se das pessoas (Mateus 15.14), e principalmente o modo como formavam prosélitos tendo como meta muito mais a pratica de suas tradições religiosas do que a da Palavra de Deus (Mateus 15.15-28). Isso tudo era contrario aos ensinamentos de Jesus (Lucas 14.7-24).

  Resumindo, quando o escriba declarou: “Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores”, não estava levando em conta toda a renúncia que teria de fazer para tomar tal decisão. A renúncia deste era o desapego a sua vida, as suas tradições, status e luxo.  Quando este escriba viu a “multidão” que se reunia diante de Jesus provavelmente ficou tomado por intenções egoístas e não altruístas. Por isso, a resposta do Senhor Jesus mostrava que a meta de Sua missão não era viver regaladamente, aproveitando-se do povo (Leia: Lucas 14.27-33)!

Segunda parte: Mateus 8.21,22

  Outro de seus discípulos lhe disse:
- “Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai”.
Ao que Jesus lhe respondeu:
- “Segue-Me e deixa que os mortos sepultem os seus próprios mortos”.

  Como foi dito no início deste estudo, ao ler de forma superficial esta passagem das Escrituras, sem levar em conta a cultura-religiosa daquele século, o leitor moderno terá a impressão de que a resposta de Jesus a esta pessoa foi um tanto “áspera”, dando a entender certo desrespeito para com os pais, contrariando a lei mosaica (Deuteronômio 21.22,23).

  Os Evangelhos que citam este evento (Mateus e Lucas), [...] deixa que os mortos sepultem os seus próprios mortos. Colocam as palavras num contexto em que certos discípulos explicavam o porquê de não poderem deixar de imediato as suas respectivas situações para seguir a Jesus. Nesse exemplo específico, um discípulo pediu permissão para ir primeiro enterrar o seu falecido pai. Conforme entendido pelos leitores modernos, a aparente negativa de Jesus mostra-se demasiada indiferente ao mandamento de honrar aos pais, como também muito severa.

  Todavia, quando interpretados à luz da informação arqueológica concernente às praticas de sepultamento do primeiro século judaico, o pedido do discípulo e a resposta de Jesus podem ser vistos sob uma ótica muito diferente. O enterro judaico no tempo de Jesus consistia na verdade de dois sepultamentos e o (segundo) acontecia pelo menos um ano depois. O primeiro sepultamento era conhecido como ser “reunido aos seus pais”, era dentro da cova da família, seguido por um período de pranto (luto). O segundo sepultamento ocorria aproximadamente dentro do prazo de onze a doze meses depois, era posto dentro de uma caixa de ossos (ossuário), geralmente com os resquícios de outros membros da família, quando já a carne estava decomposta.


  O que parece estar em foco nesta passagem do Evangelho segundo Mateus (e também em Lucas) é o segundo sepultamento, conhecido como “ossilegium”. A resposta de Jesus ao discípulo que desejava uma licença de quase um ano antes de iniciar o serviço de pregar o Evangelho, não se referia apenas à prolongada ausência, mas especialmente ao aspecto “não-bíblico” do segundo sepultamento.

  O sepultamento imediato (“reunir-se aos seus pais”) é retratado na Bíblia em várias passagens (Gênesis 49.29; Juízes 2.10; 16.31; 1Reis 11.21,43), mas nos tempos do NT esse conceito havia adquirido um outro significado teológico. De acordo com fontes rabínicas, o ato da decomposição tinha um efeito purificador, fazendo expiação pelos pecados do falecido. A consumação desse processo espiritual era o ritual do segundo sepultamento. Uma vez que Jesus seguia o ensino bíblico de que somente Deus faz expiação dos pecados (sobre a base da fé na redenção sacrificial [...]), Sua declaração corrigia essa prática imprópria.

  Sendo assim, poderíamos então interpretar as palavras em Mateus 8.22 (e em Lucas 9.60) [...] como: “Olhe, você já honrou o seu pai dando-lhe um sepultamento apropriado na tumba da família. Agora, ao invés de esperar que a carne se decomponha, o que não pode expiar o pecado, vá pregar o Evangelho do Reino de Deus [...] o único meio de expiação. Deixe os ossos dos ancestrais de seu falecido pai reunirem-se aos dele no ossuário! Quanto a você, siga-Me!”   
  
  O primeiro discípulo, um escriba, tinha de renunciar seu status, suas tradições, seu luxo, para viver de forma altruísta, seguindo ao Senhor. O segundo discípulo tinha de abrir mão de suas tradições-religiosas (não-bíblica) a respeito do segundo sepultamento de seu pai, para seguir o Senhor Jesus.

  Cada qual obteve uma resposta do Senhor a respeito da prioridade do discipulado, em se pregar o Evangelho do Reino de Deus, abrindo mão de algo considerado importante para si. As Escrituras não relatam a decisão destes discípulos, mas nos mostra não só a seriedade da decisão que temos de tomar, como também, a prioridade em seguir o Senhor, levando em conta a renúncia que esta escolha nos trará.

  Para cada escolha há uma renúncia, se não houve renúncia é porque não houve uma escolha!



Bibliografia

Bíblia Sagrada: King James (versão Poética);

Arqueologia Bíblica, Reedição do livro Pedras que Clamam. Editora CPAD, Autor Randall Price.

Um comentário:

  1. Bom dia.
    A paz do Senhor Jesus.
    Muito esclarecedor.
    Obrigado.
    Deus abençoe! !

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