
Os passos a seguir, para uma boa interpretação e
entendimento dos textos bíblicos, serão através da leitura cuidadosa das
passagens que tratam do assunto, da etimologia da palavra deuses, da exegese
dos textos em questão e de alguns comentários bíblicos.
Iniciemos então com a leitura das passagens em questão as
lendo nas traduções Revista e Corrigida (João Ferreira de Almeida) e King
James:
Tradução Revista e
Corrigida (João Ferreira de Almeida):
1º - “EU disse: ‘Vós sois deuses, e vós outros sois filhos
do Altíssimo”, Salmos 82.6;
2º - “Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que
saibamos que sois deuses;”, Isaías 41.23;
3º - “Respondeu-lhes Jesus: ‘Não está escrito na vossa lei;
EU disse: sois deuses’?”, João 10.34;
Tradução King James:
1º - “EU declarei: Vós sois juízes, sois como os deuses;
todos vós sois filhos do Altissimo!”, Salmos
82.6;
2º - “Anunciai-nos acontecimentos vindouros para que
saibamos que sois deuses;”, Isaías 41.23;
3º - “Jesus lhes contestou: ‘Não está escrito na vossa Lei:
“Sois deuses’?”, João 10.34;
Etimologia da palavra
deuses
A palavra “deuses”, usadas nas passagens do VT, no hebraico,
é “`elõhîm”, que significa “Deus”, “deuses”, “juízes”, “profetas” e “anjos”. Que, dependendo do
contexto das Escrituras, pode referir-se tanto a DEUS como também há deuses
pagãos.
Já no NT, no grego, a palavra é “theioi”, que significa propriamente “deuses” e “autoridades”
humanas.
Exegese do contexto
das passagens
Em Salmos (82.6) o salmista Asafe esta repreendendo os
“juízes” (homens) por causa de sua injustiça, resumindo, a repreensão é devida
por sua acepção de pessoas e por sua falta de comprometimento com a lei, ao
tratar os pobres com desdém. Vejamos:
Salmos 82.1-8
“Deus está
na congregação dos poderosos; julga no meio dos deuses.
Até quando julgareis injustamente, e aceitareis as pessoas dos ímpios?
Fazei justiça ao pobre e ao órfão; justificai o aflito e o necessitado.
Livrai o pobre e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.
Eles não conhecem, nem entendem; andam em trevas; todos os fundamentos da
terra vacilam.
Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo.
Todavia morrereis como homens, e caireis como qualquer dos príncipes.
Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois tu possuis todas as nações.”
É muito claro nos versos 1 e 7, que o texto em si
esta tratando de homens comuns, mas, com autoridade para efetuar a justiça.
Homens que em sua “limitada humanidade” estão sujeitos a morrer e a serem
depostos como qualquer outra pessoa de autoridade maior!
Isaías 41.1-29 (citando apenas os versos 7,
22, 23 e 24)
“E o
artífice animou ao ourives, e o que alisa com o martelo ao que bate na bigorna,
dizendo da coisa soldada: Boa é. Então com pregos a firma, para que não venha a
mover-se.
Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois
deuses; ou fazei bem, ou fazei mal, para que nos assombremos, e juntamente o
vejamos.
Eis que sois menos do que nada e a vossa obra é menos do que nada;
abominação é quem vos escolhe.”
O profeta Isaías esta desafiando os “artífices”
(criadores de imagens, estátuas, imagem e semelhança de homes e/ou animais, ou
mesmo corpos celestes para idolatria) há predizer, profetizar algo futuro. Assim como nos capítulos 44 e 48, Isaías esta
chamando o povo ao bom senso, os fazendo raciocinar a respeito do vosso objeto
de culto e adoração, mostrando que nada vale suas imagens de escultura, criadas
por mãos de homens, através de materiais tais como madeira, pedra, etc.
E assim como o salmista Asafe, Isaías
repreendendo aos homens (“autoridades”, sacerdotes idolatras) para profetizarem
algo futuro, pois muitas de suas profecias, reveladas por Deus, tinham se
cumprido em sua época. O contexto de
Isaías gira em torno do perigo iminente da idolatria, pois, prestando culto
idolatra o povo não só estava deixando de adorar o único e verdadeiro Deus,
criador do céu e da terra como também estava agindo com ingratidão por tudo o
que Deus havia feito por Israel (leia ainda Isaías 43.27,28; 44.6-20,
24-28; 45.5-7, 20-23; 46.1,2, 6,7; 47.11-15; 48.5-8)!
João 10.30-36
“Eu e o Pai somos um.
Os judeus pegaram então outra vez em pedras para o apedrejarem.
Respondeu-lhes Jesus: Tenho-vos mostrado muitas obras boas procedentes
de meu Pai; por qual destas obras me apedrejais?
Os judeus responderam, dizendo-lhe: Não te apedrejamos por alguma obra
boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.
Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois
deuses?
Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi
dirigida (e a Escritura não pode ser anulada),
Àquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis:
Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus?”
Por último vejamos a passagem no Evangelho
segundo João, a citação de Jesus (Salmos 82.6 e Isaías 41.23). Ao ler o verso
30 em diante, fica claro o contexto. Jesus esta se declarando “igual” a Deus,
ou seja, esta declarando abertamente às autoridades judaicas de sua época que
Ele é o Messias, o Enviado de Deus, o Filho do Homem profetizado em todo o VT!
Ao dar esta declaração, os fariseus ameaçaram o
apedrejar por motivo de “blasfêmia” pois, não aceitavam que Jesus fosse o
Messias tão esperado por Israel. Jesus então defende sua declaração, citando as
passagens em questão, mostrando aos fariseus que Deus é quem dá autoridade aos
homens sobre a terra, para fazerem justiça!
Baseando-se nesta questão, o apóstolo Paulo,
também se referiu a respeito deste assunto em sua carta à Igreja em Roma
(Romanos 13.1-5), onde declara abertamente que toda “autoridade humana”, quer
sejam atualmente juízes, políticos ou a policia, são divinamente outorgadas,
levantadas e criadas por Deus. Vejamos:
Romanos 13.1-7
“Toda a alma esteja sujeita às potestades (autoridades) superiores; porque não há potestade que não venha de
Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus.
Por isso quem resiste à potestade (autoridade) resiste à ordenação de
Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação.
Porque os magistrados não são
terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a
potestade? Faze o bem, e terás louvor dela.
Porque ela (refere-se às autoridades) é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois
não traz debalde a espada; porque é
ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.
Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo,
mas também pela consciência.
Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo.
Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem
imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra.”.
Comentários Bíblicos
Comentário Judaico do Novo Testamento (David H.Stern)
João 10.30
– Eu e o Pai somos um. O mesmo
“um”que está em Sh’ma: “Ouve, Israel, Adonai nosso Deus é o único Adonai”
(Deuteronômio 6.4). A afirmativa de Jesus da sua própria divindade foi
ocasionada pela Sua consideração pelos seus seguidores: “ninguém as arrebatará
da minha mão” (verso 28) ou das mãos do Pai (verso 29). “Ani veha’av,echad
anachnu” (Eu e o Pai somos um), portanto nós estamos aos cuidados de Jesus e temos
a segurança concreta de que nada “poderá separar do amor de Deus, que esta em
Jesus, o Messias nosso Senhor” (Romanos 8.31-39).
João 10.31-33 – Os habitantes de Israel juntaram pedras para apedrejá-Lo. Como em
João 8.59, pela mesma razão: a auto-identificação de Jesus como Deus, a qual
eles compreendiam como blasfêmia (verso 33).
João 34-36 – Na sua Torá. Aqui Torá significa
Tanakh, já que essa passagem é mencionada e, Salmos, e não no Pentateuco.
Vocês são Elohim? No hebraico elohim, no grego
theoi. Mas o texto hebraico do Salmo 82 a palavra hebraica “elohim” pode ser
traduzida por Deus, deuses, juízes e anjos. O modo rabínico da citação bíblica
de Jesus implica no contexto de todo o Salmo, o que traz esses significados:
“O modo rabínico da citação bíblica de Jesus implica no contexto de todo
o Salmo, o que traz esses significados:
Elohim (Deus) esta na congregação dos poderosos (hb El; Deus); julga no
meio dos deuses (hb elohim; juízes, anjos).
Até quando julgareis injustamente,
Eu disse: Vós sois deuses (hb elohim, juízes, anjos)
E todos vós filhos do Altíssimo.
Todavia morrereis como homens, e caireis como qualquer dos príncipes.
Levanta-te, ó Deus (hb Elohim, O Juiz), julga a terra, pois Tu pussuis
todas as nações.” Salmos 82
O primeiro e último “Elohim” significam
“Deus”, mas os outros devem ser entendidos como “juízes, deuses e anjos”. Para
lembrar da transição do grego para o jogo de palavras em hebraico, traduze-se
theoi para seu equivalente hebraico.
O jogo de palavras utilizado por Jesus implica
num estilo rabínico de argumentação kal
v’chomer: se humanos, que fazem obras más como eles e “julgam injustamente”
são chamados deuses, quanto mais Jesus, que faz boas obras (versos 25,32,33,37
e 38) é Elohim; e se “todos vocês são filhos do Altíssimo”, quanto mais a
descrição “Filho de Deus” aplica-se a Jesus.
Comentário – Enciclopédia / Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e
“Contradições” da Bíblia (Norman Geisler & Thomas Howe)
João 10.34: Jesus
advogou que o homem pode tornar-se Deus?
Problema: Jesus respondeu a um grupo de
judeus e disse: “Não está escrito na vossa lei: ‘Eu disse: sois deuses?’” Isso
quer dizer então que os seres humanos podem tornar-se Deus, tal como as
religiões panteístas e da Nova Era ensinam?
Solução: O contexto dessa passagem revela que Cristo
tinha acabado de se declarar um com o Pai, dizendo-se “Eu e o Pai somos um”
(10.30). Os judeus quiseram apedrejá-Lo porque pensaram que Jesus estava
blasfemando, já que estava fazendo-Se igual a Deus (versos 31-33).
Jesus respondeu citando o salmo 82.6, que diz:
“Eu disse: sois deuses”. Esse Salmo dirige-se a juízes que estão julgando
injustamente. O título de “deuses” não é dirigido a qualquer pessoa, mas
somente àqueles juízes a respeito de quem Jesus disse que são aqueles para
“quem foi dirigida a palavra de Deus” (verso 35).
Cristo estava mostrando que se as Escrituras do
AT podiam dar algum status divino a juízes que tinham sido divinamente assim
designados, por que eles teriam de achar incrível que Ele se chama-se de o
Filho de Deus? Assim, Jesus estava defendendo a sua própria divindade, e não a
deificação do homem.
Comentário Bíblico – Evangelho Segundo João (Frank Pack)
João 10.33-36 – Os líderes judeus negaram
querer apedrejar Jesus por suas obras, mas se concentraram nas suas alegações,
particularmente a feita no verso 30. Sua acusação era blasfêmia, que já ficou implícita antes (8.59), mas que foi
especificamente declarada contra Jesus pela primeira vez. Esta foi a acusação
pela qual o Sinédrio o condenou em Mateus (26.65); Marcos (14.64). a base para
a acusação de blasfêmia era que sendo
homem Jesus se fazia Deus. Mas Jesus não se fazia nada, ele apenas
realizava as obras do Pai, o que fora enviado para fazer. Ele não era um homem
se impondo como Deus, mas o Filho de Deus que se tornou homem. O erro desta
acusação estava na incredulidade dos líderes judeus.
A passagem que Jesus citou é Salmos 82.6 cujo
teor é o seguinte: “Eu disse: sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo”.
ELE, Deus, chamou deuses. Deuses no Salmo 82 se refere aos juízes de Israel,
que não só recebem esta elevada posição por estarem exercendo a prerrogativa de
Deus no julgamento (Deuteronômio 1.17; 19.17 com Êxodo 7.1), mas são também
chamados “filhos do Altíssimo”. São todavia simples homens, que como os demais
morrerão (Salmos 82.7). Jesus esta argumentando aqui como um rabino, de uma
posição inferior para outra superior, um argumento do tipo “quanto mais” muito
popular entre os rabinos.
Jesus apela para duas certezas: Deus os chamou
deuses, e a Escritura não podem falhar,
ou ser posta de lado. A importância deste último princípio, aceito pelos
lideres judeus e por Jesus, é vista no fato de que seu argumento se volta para
o valor da palavra deuses.
Enquanto a Escritura é singular aqui,
referindo-se a esta determinada passagem, ela é expressa o princípio aplicado a
todas as demais passagens nas Escrituras. Os juízes de Israel eram chamados deuses porque a eles Deus deu sua
vontade, a eles foi dirigida a palavra,
e foram chamados de “filhos do Altíssimo”.
Resumo
Sois deuses?
Salmos 82.6, Isaías 41.23 e João 10.34
Esta declaração de Jesus, quando sita o Salmo
82.6, não ensina, em hipótese alguma, que os homens devem considerar-se deuses.
A Bíblia (Toda a Escritura Sagrada) afirma, pelo contrário, que aqueles que se
declaram deuses serão condenados por Deus. O Senhor declara: “Os deuses que não
fizeram os céus e a terra desaparecerão da terra e debaixo deste céu” (Jeremias
10.11).
Diante de todos os argumentos baseados na
etimologia da palavra deuses, na exegese dos textos que tratam sobre o assunto
abordado assim como também os comentários de estudos Bíblicos, deixam claro que
a expressão “sois deuses” foi dita por Deus em relação aos governantes, juízes
corruptos de Israel que julgavam com injustiça, demonstrando parcialidade com
os iníquos e tratavam com crueldade os pobres e necessitados.
Em toda a Bíblia o ser humano é expresso como
sendo pecador, limitado e sujeito às forças da natureza, do tempo, das estações
do ano e das circunstâncias da vida!
Para nos conscientizarmos de que o ser humano não
pode de maneira alguma se exaltar igual a Deus, vale citar uma história de
Malba Tahan intitulada como “As Rajadas
do Vento”, em seu livro “Lendas do
Povo de Deus”:
“Ao regressar vitorioso de suas guerras de conquistas pelo
mundo, o imperador Adriano convocou os cortesãos e declarou num tom de
excepcional gravidade:
- Dado o poder de que disponho, e em virtude da força
incalculável que represento, exijo, de agora em diante, que me considerem como
um Deus! Elevou-me o destino ao plano da
divindade!
Mal ouvira tal declaração adiantou-se um dos nobres e disse
jubiloso ao rei:
- Uma vez que “sois um Deus” imploro desde já o vosso
precioso auxílio. Podeis, senhor, ajudar-me nesta hora de grave inquietação em
que me encontro?
- Que aconteceu contigo? – perguntou o imperador com vaidosa
entonação – Em que poderei auxiliar-te?
- Preocupa-me a situação em que se encontra um de meus bons
navios. Acha-se essa galera parada a três milhas da costa. Reinava, já vários
dias, absoluta calmaria e o navio, com
grave prejuízo para mim, não pode alcançar o pôrto!
- Isso é simples – declarou logo o imperador Adriano, com
ostensiva indiferença. Mandarei uma frota, tripulada por bons remadores, que o
fará navegar.
- Para que tão grande incômodo p acudiu presuroso o áulico,
com um sorriso impertinente – Com algumas “rajadas de vento” a galera estará
salva!
- Mas onde irei eu buscar o vento? – esquivou-se o imperador.
- Se não sabeis como obter duas lufadas de vento, muito fraco
é o vosso poder. Como pretendeis arrogar-vos dos atributos de Deus, que criou o
vento e faz bramir os vendavais, se não conseguis perturbar com duas rajadas a
calmaria do mar?
Tão justa e sábia advertência fez calar o poderoso monarca e
deixou-o confuso e constrangido diante de sua côrte!”
Observação: Tanhuma Parascha Bereschidt, 7:10.
Êsse episódio é citado em quase todas as Antologias talmúdicas. Sendo adotada
aqui uma forma mais interessante para o leitor. Cfr. Moisés Belleison e Dante
Lattes, ob. cit. pág. 53.
Bibliografia
Bíblia Sagrada – Tradução King James e Revista e
Corrigida (João Ferreira de Almeida);
Dicionário VINE, hebraico e grego, W.E.Vine,
Merril F.Unger, William White Jr;
Enciclopédia – Manual Popular de Dúvidas e
Enigmas e “Contradições” da Bíblia, Normam Geisler e Thomas Howe;
Comentário Bíblico, Frank Pack;
Livro: Lendas do Povo de Deus, Malba Tahan;
Nenhum comentário:
Postar um comentário